Pequena Antologia do Trem. Pesquisa e seleção do jornalista e ferroviário Lais Costa Velho. Edição de Fernando Abelha
di Cavalcante
“Da estação de todos os Santos à Central, o trenzinho suburbano rolava dentro de um cenário de presépio, cheio de elevações onde caminhos coloridos se misturavam com as grandes árvores das chácaras burguesas, guardando casas enormes de arquitetura espetacular…
A rua do subúrbio escaldava no silêncio do meio-dia … Nem o sono do meio-dia confortava a miséria…
… Ah! Mãos cautelosas que arrumavam as malas de meu vizinho Alfredo, que ia ser chefe de uma estaçãozinha da Estrada de Ferro, no interior de Minas Gerais! Realizava seu ideal, porque, dizia-me o sereno Alfredo, “seria tempo para ler toda obra de Camilo Castelo Branco…
…Lembro-me de um dia ter levado o grande Lima Barreto que caíra bêbado sobre uns livros amontoados no fundo da livraria. De pé, ainda tonto, agarrando-se ao meu braço, sentenciou:
– O que nos dá o sentido real e profundo da vida é a desgraça…
…Acompanhava Lima Barreto até a Central, ia para casa de Todos os Santos, onde residia com o pai louco… A obra de Lima Barreto está ligada ao subúrbio carioca, possuindo a contrição desse aglomerado humano.
O mistério noturno de Santa Teresa
“Noite morta,
Noite despida,
Noite branca,
Noite fria como a carne satisfeita,
Noite algemada,
Noite com flores murchando,
Noite com o grito rouco do bêbado,
Noite da ressurreição das mortes amargas,
Noite do trem partindo para guerra,
Noite da mulher mágica…
As palavras que não podem dizer mais nada.
Carros saindo de incêndio,
Os cavalos de vermelhas crinas,
A desilusão e o mistério irreconciliáveis,
Entre máquinas mortas e algas apodrecida e deusa surge quase estátua”.
Autor di Cavalcante