A partir deste sábado, publicaremos, sempre que possível, crônicas de causos ferroviários, elaboradas por ferroviários e metroviários e encaminhadas a este blog, através do e-mail ferroviavezevoz@gmail. com Serão publicadas, também, crônicas coletadas de obras literárias dos principais autores da língua portuguesa. Colaborem
Crônica de Fernando Abelha
Lá pelos idos da década de 70 do século passado, em uma das viagens de inspeção pelos trilhos da Divisão Especial Subúrbios do Grande Rio, das quais tínhamos a missão de participar, pelo exercício de assessoria de imprensa, ocorreu fato merecedor de registro.
A altiva automotriz ocupava isolada, a principal plataforma da estação Barão de Mauá, enquanto, aguardava as presenças do ministro dos Transportes e de diretores da Divisão. Pelas sete horas da manhã de um sábado, repleto de brilho e calor, premiados que éramos pela presença imponente do Rei Sol, presente com todo seu esplendor, funcionários de apoio, engenheiros do tráfego e da via permanente, misturavam-se aos jornalistas credenciados pela ferrovia, ansiosos de colher novas informações sobre o importante trecho da Leopoldina, que ia de Barão de Mauá até o fundo da Baia da Guanabara. Hoje o terminal passou a ser a Estação D. Pedro II, antiga Central do Brasil. O trecho detinha, à época, significativa demanda reprimida de passageiros.
O chefe de trem Raimundo Neves, responsável pelo desempenho da tripulação em serviço, com seu uniforme azul marinho e o clássico boné que, por sua cor, classifica a função de comando exercida pelo ferroviário da área dos Transportes. Raimundo, sempre educado, sorridente e cordial, embora com semblante sério, transparecia alguma preocupação. Deslocava-se da plataforma à gare, atento à aproximação das autoridades.
De repente, ocorre ligeiro silêncio. A atenção de todos se volta para gare da Estação. Surge, então, o ministro dos Transportes, eng. Elizeu Rezende, acompanhado pelo diretor da Divisão Especial, coronel e engenheiro Carlos Aloizio Weber. Este, temido pelos empregados da Divisão, por sua presença sempre questionadora e até mesmo, em certos casos, punitiva, quando detectado algum desleixo no cumprimento das orientações emanadas pela gestão.
Weber, admirado por uns e receado por outros, tinha acesso direto ao presidente da República Ernesto Geisel, que o trouxe da Transamazônica, onde comandava a participação do Exército Brasileiro na construção da rodovia, para assumir a direção dos subúrbios da Central do Brasil, campeão à época em acidentes ferroviários. Por sua facilidade de acesso ao Presidente da República, obtinha atenção especial. Assim, conseguiu recursos para adquirir as 50 TUes japonesas (unidade de quatro carros eletrificados), que possibilitaram o incremento de passageiros de 300 mil para pouco mais de um milhão por dia útil, em menos de dois anos.
Todos embarcados, a automotriz desperta com seu acentuado apito, e segue com destino à cidade de Duque de Caxias, sua primeira parada. Ministro, diretores e alguns jornalistas viajavam na cabina do maquinista, com total visibilidade da via permanente à frente. No percurso, algumas irregularidades foram apontadas. A que mais preocupou foi o trânsito de pessoas ao atravessar as linhas, em flagrante risco de vida para os transeuntes, o que era registrado pelas câmeras fotográficas dos jornalistas.
Em determinado momento, Aloísio Weber dirigindo-se ao autor dessa narrativa indaga: onde está o engenheiro residente? Vá chamá-lo. Seguimos, então, ao espaço da automotriz onde se encontravam os demais ferroviários e técnicos que, por dever do ofício, naquele cintilante sábado, participavam da inspeção. Lá chegando indagamos: O diretor Weber pede a presença do engenheiro residente, na cabina do maquinista.
Deparamo-nos, então, com um jovem, até então desconhecido por nós, embora mantivéssemos continuado relacionamento com a área técnica, no exercício de obter informações para abastecer a curiosidade da imprensa.
O residente respirou fundo. Já na cabina, em bom tom de voz, clara e alta, com altivez, identificou-se: “Engenheiro residente Hélio Suêvo, recém concursado, há menos de um mês na Residência, mesmo período de admissão na Empresa e responsável por este trecho de linha. Nesta inspeção substituo o Engenheiro Chefe da Residência, que se encontra de férias. Estou à disposição dos senhores”.
Sobre os muros de placas pré-montadas, com passagens arrombadas pela população para facilitar a passagem de um lado para o outro da linha, Hélio Suêvo informou que estava em andamento a substituição por muros de concreto armado. Da mesma forma, no decorrer da viagem, indicava onde existiam estudos para construção de passagens superiores, em convênio com a Prefeitura. Falou ainda, entre outras coisas, da compra de milhares de dormentes de concreto, além de placas e grampos de fixação dos trilhos e que a linha estava em início de remodelação.
Chegando a Duque de Caxias a comitiva baldeou para uma composição de bitola estreita com destino a Vila Inhomirim e Guapimirim. Da inspeção resultou, tempos depois, a eletrificação do Trecho até Vila Inhomirim.
Hélio Suêvo Rodrigues, hoje aposentado, ocupou os mais importantes cargos no ambiente ferroviário. É hoje diretor técnico do Movimento de preservação Ferroviária -MPF e diretor da Associação dos Engenheiros Ferroviários – AENFER. É autor de inúmeros artigos técnicos publicados em revistas especializadas, entre os quais destaca-se “Manual Técnico em Engenharia Ferroviária” Algumas obras literárias sobre a história da ferrovia, representam importante meio de consulta acadêmica.
Em seus pronunciamentos, através de palestras e reuniões técnicas, deixa flagrante sua repulsa ao que fizeram com as ferrovias da extinta RFFSA, com muitos segmentos marcados por criminoso abandono.