Edifício construído na década de 1970 foi sede da Rede Ferroviária Federal até a privatização da estatal, em 1997. Antigos funcionários dividem lembranças em grupo nas redes sociais.
Colaboração do líder sindical João Calegari
Antes de abrigar a sede da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Rio Grande do Sul, o prédio que será implodido neste domingo (6), em Porto Alegre, pertencia à Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Do incêndio ocorrido em julho de 2021 até a destruição total, a tristeza com o destino do edifício emociona ex-servidores da estatal.
“Eu chorei. Foi um sentimento, uma emoção muito grande de perda”, diz Marioni Auler, que trabalhou no setor de comunicação da RFFSA por mais de 20 anos.
O imóvel foi construído na década de 1970. Ao todo, o edifício tinha nove andares e aproximadamente 32,55 metros de altura, segundo o governo do estado. Com a privatização da RFFSA, na década de 1990, a SSP assumiu o edifício em 2002.
Até hoje os ferroviários dividem lembranças dos anos de serviço nas margens do Delta do Jacuí, que deságua no Guaíba. As conversas entre servidores e entusiastas do modal ocorrem no grupo “Ferroviários da SR-6”, em referência à Superintendência Regional 6 da RFFSA, criado pela jornalista nas redes sociais.

O mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Yuri Rapkiewicz estudou a herança dos ferroviários no RS e comenta a importância do edifício para a memória da cidade e das pessoas.
“Ele tem uma importância histórica significativa para a cidade de Porto Alegre, o estado do Rio Grande do Sul e seu sistema ferroviário, mas, sobretudo, uma proximidade histórica e mais afetiva para aqueles que trabalhavam na ferrovia”, observa.
Para Marioni, o prédio era uma únicas das lembranças ainda vivas da companhia depois da privatização.
“O sentimento que fica, entre todos os ferroviários, é de que ali era o último marco da história da Rede Ferroviária Federal. O sentimento já era muito doloroso de ter perdido a Rede na privatização. E, depois, veio esse outro baque”, lamenta.
História
As operações da RFFSA em Porto Alegre eram concentradas no Edifício Ely, um dos marcos arquitetônicos da Capital, projetado pelo arquiteto alemão Theodor Wiederspahn. A necessidade de modernização fez com que, em 1972, os primeiros serviços já fossem transferidos para o novo prédio.
Rapkiewicz ressalta que, além de modernizar a infraestrutura de transportes na região, a obra contribuiu para a articulação política da classe, uma vez que os trabalhadores atuavam todos em um mesmo local.
“Houve, então, diversas obras de infraestrutura urbana, como a construção da Rodoviária, a construção do prédio-sede da ferrovia. Isso reverberou muito na história da categoria, na medida em que possibilitou todos os ferroviários num mesmo espaço de trabalho”, aponta.

Em 1975, todas as operações da estatal já ocorriam no novo prédio. Foi nesse ano que Marioni começou a trabalhar na empresa. “Era muito moderno. Não existia parede de tijolos, o esqueleto dele por dentro era todo com divisórias. A vista era espetacular. Ali do restaurante [no nono andar], era maravilhosa”, recorda.
A ferroviária lembra que, naquela época, já eram realizados treinamentos contra incêndio no prédio. “Se fazia periodicamente, duas vezes por ano”, diz.

Com o passar dos anos, a Rede Ferroviária Federal foi sendo degradada, deixando de transportar passageiros e, posteriormente, cargas.
“Foi uma das grandes obras de infraestrutura relacionadas ao sistema ferroviário no Rio Grande do Sul”, comenta Rapkiewicz.
As lembranças positivas, contudo, também marcam quem trabalhou no edifício. O pesquisador ressalta que o prédio é emblemático e mencionado pelos ferroviários aposentados nas memórias que têm da organização da categoria.
“São histórias do nosso sistema de transportes, são histórias das nossas transformações urbanas, mas são, sobretudo, histórias de homens e mulheres que trabalharam nesse sistema de transportes dos trens e de suas famílias”, resume Yuri Rapkiewicz.

Marioni Auler recorda que os ferroviários plantaram árvores no terreno e, em algumas ocasiões, pintaram os muros do complexo com decoração alusiva ao Dia da Independência. Até mesmo a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) já se apresentou aos funcionários no saguão do prédio, que, depois das 9h de domingo, não existirá mais.
“A gente tem muita lembrança boa”, diz Marioni, que espera visitar o prédio no sábado para se despedir do local que foi sua segunda casa por vários anos.

Incêndio da SSP
O prédio foi atingido por um incêndio, na noite de dia 14 de julho de 2021. Dois bombeiros que atuaram no combate às chamas morreram. Os corpos de Deroci de Almeida e Lúcio Ubirajara de Freitas Munhós foram encontrados uma semana depois.
O inquérito que apurou as causas do fogo concluiu não teve indiciados. A perícia apontou que um curto-circuito ou uma sobrecarga foram os prováveis problemas no prédio. A implosão das ruínas e remoção dos escombros vão custar R$ 3,1 milhões.

Fonte: G1.globo.com