
Estadão – Estatais de transporte que já estiveram na mira da equipe econômica, que queria extingui-las, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada originalmente para desenvolver o trem-bala, e a Valec poderão ganhar mais uma atribuição em breve numa aposta do governo para que consigam fechar as contas sem recursos do Tesouro.
Com históricos controversos, envolvendo corrupção – no caso da Valec -, as estatais foram blindadas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, do programa de desestatização. Agora, a pasta busca formas de tornar as empresas autônomas e, para contribuir nessa tarefa, quer que ambas fortaleçam a prestação de serviços para a iniciativa privada. Especialistas no assunto, no entanto, são céticos quanto à possibilidade de tal negócio engatar em larga escala.
Na visão do Ministério da Infraestrutura, uma oportunidade foi aberta com o amplo interesse de empresas na construção e administração de ferrovias privadas, a partir do novo regime de operação liberado no ano passado. Já são mais de 70 pré-projetos levados ao governo, a maioria idealizada por negócios sem expertise no setor ferroviário, interessadas em operar trilhos para atender demandas específicas de transporte. A ideia, portanto, é que a EPL e a Valec aproveitem o conhecimento na área e vendam serviços de consultoria ou de formulação de projetos a essas empresas, que não têm experiência na execução de projetos da área.
“Queremos disponibilizar o ‘know-how’ que a Valec tem no setor, no desenvolvimento de projetos, em desapropriações, que a EPL tem nos estudos de demanda, para que elas possam prestar serviços para essas empresas”, afirmou o secretário nacional de Transportes Terrestres, Marcello Costa. De acordo com ele, várias empresas já demonstraram interesse na proposta.
Dependentes do governo
A Valec e a EPL estão na lista das 18 estatais federais dependentes de aportes do Tesouro para fechar as contas. Em 2019, a Valec precisou de R$ 218,4 milhões de recursos públicos para cobrir despesas. No caso da EPL, o montante foi de R$ 46 milhões. “Elas vão continuar trabalhando para o governo também, mas podem e devem – e essa é a proposta – se tornar cada vez mais independentes de receitas orçamentárias É uma tendência forte, e esse projeto de ferrovia só ajuda a viabilizar essa ideia”, disse Costa.
Especialistas, por sua vez, não acreditam que a contratação das estatais para essa função vai engrenar. Elas reconhecem a importância da EPL para o planejamento de e estruturação de projetos de concessão, mas avaliam que, por iniciativa própria, o setor privado não dará prioridade à contratação de empresas públicas, em detrimento de consultorias privadas.
A manutenção da Valec e EPL foi sempre um ponto de atrito entre as pastas comandadas por Paulo Guedes e Tarcísio de Freitas. Ainda durante o período de transição da administração de Temer ao governo Bolsonaro, integrantes do governo afirmavam que a ideia era extinguir as duas empresas. O então escolhido para comandar a Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chegou a classificar a EPL como uma “barbaridade”, no mês anterior à posse de Bolsonaro. A rejeição não foi estancada com o passar do tempo. Em novembro do ano passado, Guedes afirmou que a Valec “já tinha que ter fechado”.
Trem-bala não saiu do papel
Criada com outro nome em 2010, no governo Lula, a EPL nasceu para desenvolver o fracassado projeto do trem-bala que ligaria o Rio a São Paulo. O governo Dilma tentou levar a ideia à frente, mas o empreendimento nunca saiu do papel. Com o avanço do programa de concessões de infraestrutura, a estatal passou a se concentrar na estruturação de projetos voltados à iniciativa privada, participando desde os estudos de viabilidade até a assinatura do contrato. Além disso, está por trás do planejamento da infraestrutura de transportes a longo prazo.
Procurada para comentar a ideia do ministério, a EPL afirmou que o novo marco legal do setor ferroviário abre possibilidades para que a expertise da estatal possa ser aproveitada em projetos de empresas que obtiveram autorizações para a construção de ferrovias. “As propostas técnicas e os orçamentos para os serviços são elaborados de acordo com as necessidades e especificidades de cada cliente”, disse a EPL, segundo quem a estatal já desenvolveu estudos de viabilidade que resultaram em mais de 70 leilões e R$ 100 bilhões em investimentos contratados nos setores de rodovias, ferrovias e portos.
A Valec, que foi historicamente comandada por apadrinhados do PL, de Valdemar Costa Neto, chegou a ser palco de operação da PF e investigada por suspeitas de corrupção. Na presidência de André Kuhn, atual diretor, os procedimentos de compliance foram ampliados. A estatal foi criada para construção de ferrovias no País, como a Ferrovia Norte-Sul (FNS). Idealizada para ser a espinha dorsal da malha ferroviária brasileira, a obra sofreu diversos atrasos e a Valec foi perdendo protagonismo sobre o projeto com a concessão da ferrovia.
Hoje, entre suas atividades está a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Enquanto a utilização da EPL é bem vista no setor, o entendimento é de que a perda de espaço da Valec no mercado a tornou um alvo fácil de incorporação por outra estatal.
Na queda de braço sobre o futuro dessas empresas, Tarcísio venceu. Desde então, houve promessas de fusão das duas estatais, partindo da avaliação de que elas poderiam ter a mesma equipe nas áreas administrativa, financeira e jurídica. Nenhuma medida concreta, no entanto, foi tomada. A junção continua no radar. Segundo o secretário Nacional de Transportes Terrestres, o avanço da oferta de serviços de consultoria pela EPL e Valec é “mais uma forma” de tornar as estatais independentes do Tesouro, citando a possibilidade de fusão. “Estamos abrindo uma possibilidade de mercado fantástica, para a EPL, Valec ou na fusão das duas”, disse Costa.
A Valec foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.