Comentários de Fernando Abelha

Este blog, voltado à defesa das ferrovias e dos ferroviários, tem inserido, continuadamente, matérias referentes ao descalabro que se encontram as nossas ferrovias, após as concessões à iniciativa privada. Relatório da Procuradoria Geral da República, 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, enviado ao Tribunal de Contas da União – TCU, em junho de 2011, obtido através da internet, relata, sobremaneira, as condições técnicas, operacionais, comerciais, preservacionistas e econômicas da América Latina Logística S/A – ALL, hoje denominada Rumo Logística. A partir deste domingo e nos demais, iremos publicá – lo parceladamente.

Segue a nona parte:

Selo

Procuradoria Geral da República
3ª Câmara de Coordenação e Revisão
Consumidor e Ordem Econômica
Em defesa do Estado de Direito econômico

…Com a edição da Lei nº 11.483/07, os bens imóveis operacionais e móveis não operacionais que pertenciam à RFFSA tiveram sua propriedade transferida ao DNIT, cabendo à ANTT, entretanto, autorizar as postuladas desafetações dos ativos do serviço ferroviário e averiguar o estado de conservação/deterioração dos ativos operacionais devolvidos.

Depois da autorização da ANTT e averiguação de seu estado, a indenização a ser paga deveria ser estipulada pelo DNIT.

Sucede que o DNIT não recebeu até o presente momento os bens operacionais (na prática, todo o trecho ferroviário Santiago-São Borja – 160km) e, consequentemente, não fixou indenização alguma.

Assim, considerando a condicionante aposta no parágrafo único do art. 2º da Resolução nº 2.548/08, o trecho segue integrando o contrato de concessão e arrendamento. Dito de outro modo, deve a concessionária manter e cuidar dos bens públicos que se encontram em sua posse, bem como repor e restaurar eventuais avarias.

E se assim é, deve a ANTT seguir fiscalizando o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pela ALL e aplicar multas em caso de inadimplemento.

A ALL nunca cuidou ou reparou ou fez manutenção do trecho ao longo dos primeiros 10 anos de vigência dos contratos, e nunca foi reprimida efetivamente por isso, e não o seria após a desativação que o faria. Em síntese: a condição aposta na Resolução é apenas um “remendo” jurídico para evitar hiato/vazio de responsabilidades.

Sucede que não há hiato ou vazio de responsabilidade: há, isso sim, irresponsabilidade – sem consequências – da concessionária desde o ano de 1999.

No fechar a representação surgiu a informação de que autorização para a desativação do trecho Santiago-São Borja/RS (Resolução ANTT nº 2.548/2008) foi finalmente REVOGADA (Resolução nº 3.680, de 25 de maio de 2011, da ANTT):

Art. 1º Revogar a Resolução ANTT nº 2.548, de 12 de fevereiro de 2008, que autorizava a Concessionária América Latina Logística do Brasil S/A – ALL a proceder à desativação definitiva e à devolução do trecho ferroviário Santiago – São Borja/RS.
Art. 2º Determinar que a Superintendência de Serviços de Transporte de Cargas, SUCAR, adote os procedimentos e estabeleça prazo para que a Concessionária promova a regularização do trecho, de forma a adequá-lo para o transporte ferroviário de cargas.

A revogação, depois de três recomendações expedidas pelo MPF, com ameaça expressa de ajuizamento de ação de improbidade administrativa, em nada apaga a ilegalidade mantida durante esses três anos, tampouco invalida os argumentos acima expendidos, razão pela qual se manteve a narrativa dessa, no mínimo, descompromissada atuação da concessionária e dos gestores públicos. A atual Resolução, repise-se, somente nasceu em face do ambiente de severa pressão exercida, pela sociedade e pelo MPF, para que referido trecho fosse reativado.

6.3. Trechos Ijuí/Santo Ângelo – Santa Rosa/Santo Ângelo – São Luiz Gonzaga/Santiago

A partir da concessão, em 1997, houve abandono sistemático do transporte ferroviário de cargas no Noroeste do Rio Grande do Sul. Várias tentativas de retomada do transporte foram feitas, esbarrando todas na má-fé da empresa, que fez promessas sobre promessas, só para ganhar tempo, jamais com o intuito de cumpri-las.

Os episódios mais claros remontam ao ano de 2003, durante o qual, após três concorridas audiências públicas, no dia 10 de setembro de 2003, o Ministério Público Federal no Município de Santo Ângelo, a ALL – América Latina Logística do Brasil S.A.7, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, a Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA e a Associação Comercial, Industrial, Cultural, de Serviços e Agropecuária de Santo Ângelo – ACISA, celebraram, nos autos do Procedimento Administrativo Cível nº 1.29.010.000049/2005-92, em curso no Procuradoria da República de Santo Ângelo/RS, Termo de Ajustamento de Conduta no intuito de reativar integralmente a prestação dos serviços de transporte ferroviário de cargas na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, fazendo cumprir os Contratos de Concessão e Arrendamento assinados.

Pelo compromisso em questão (segue em anexo), que possui eficácia de título executivo extrajudicial, na forma do artigo 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, a ALL comprometeu-se a:

a) em 45 (quarenta e cinco) dias, concluir as obras de recuperação do trecho Ijuí/Catuípe/Santo Ângelo, disponibilizando o transporte regular de carga aos usuários;

b) em 90 (noventa) dias, concluir as obras de recuperação do trecho Santo Ângelo/Giruá/Santa Rosa, disponibilizando o transporte regular de carga aos usuários;

c) em 60 (sessenta) dias apresentar um cronograma, com prazo que não ultrapasse a 180 (cento e oitenta) dias, para revitalização do tráfego ferroviário no trecho Santo Ângelo/Guarani das Missões/Cerro Largo/São Luiz Gonzaga;

d) reparar/recuperar, como prioridade, e/ou propor a demolição, quando for o caso e em acordo com a RFFSA (ouvindo esta, previamente, o Órgão do Patrimônio Histórico e Cultural), as edificações que estão a ela arrendados (bens contratualmente denominados operacionais) nas localidades acima referidas, em prazo não superior a 365 (trezentos e
sessenta e cinco) dias, contando-se este a partir da assinatura do presente termo, podendo a ALL com a anuência da RFFSA, firmar parcerias com Prefeituras ou outros órgãos interessados;
(…)

f) estabelecer conversações com os interessados com vistas à negociação/ acordos comerciais de transporte ferroviário, disponibilizando-o a preços compatíveis com a  modalidade de transporte, observado as tarifas autorizadas pela ANTT;
(…)

h) logo que adotadas as providências constantes no TAC, informar ao Ministério Público Federal, remetendo cópia dos documentos e informações para o devido acompanhamento;

A empresa nunca cumpriu o referido TAC, que é um reforço ao contrato de concessão. As desculpas para o não cumprimento vão desde a inexistência de produção (em uma região que, englobando cidades polos, como Ijuí, cujo atendimento é precário, Santo Ângelo, muito mais precário ainda, Santa Rosa, inexistente desde 1996 e retomado, timidamente, em 12 de maio de 20118, Cerro Largo e São Luiz Gonzaga, inexistente, disponibiliza mais de três milhões de toneladas/ano), desinteresse dos empresários (a empresa está fora do mercado por 15 anos e propõe preços incompatíveis – em muitos casos, propõe valores iguais ou acima do rodoviário, quando esse transporte, historicamente se mantinha em cerca de 70% do valor praticado pelo rodoviário), faz exigências ilegais (transporte casado – ida e volta, conserto das ferrovias…), tudo para que o transporte não aconteça e os culpados sejam os potenciais tomadores do serviço.

Não bastasse isso, outros elementos levantados dão conta da marginalização imposta pela ALL Malha Sul, ao longo dos anos, aos usuários da região Noroeste, sob a alegação de uma suposta demanda reduzida, o que não se coaduna com a realidade da região, uma das maiores produtoras de grãos do Estado…

Prossegue no próximo domingo.