Comentários de Fernando Abelha

Este blog, voltado à defesa das ferrovias e dos ferroviários, tem inserido, continuadamente, matérias referentes ao descalabro que se encontram as nossas ferrovias, após as concessões à iniciativa privada. Relatório da Procuradoria Geral da República, 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, enviado ao Tribunal de Contas da União – TCU, em junho de 2011, obtido através da internet, relata, sobremaneira, as condições técnicas, operacionais, comerciais, preservacionistas e econômicas da América Latina Logística S/A – ALL, hoje denominada Rumo Logística. A partir deste domingo e nos demais, iremos publicá – lo parceladamente.

Segue a sétima parte:

Selo

Procuradoria Geral da República
3ª Câmara de Coordenação e Revisão
Consumidor e Ordem Econômica
Em defesa do Estado de Direito econômico

Tal situação, de extrema gravidade, não passou ao largo da análise do Tribunal de Contas da União. O processo TC – 015.390/2006-0, que examinou a Prestação de Contas Ordinária da RFFSA – Exercício 2005 e que deu origem ao Acórdão nº 8.353/2010 – 1ª CAM, de 07 de dezembro de 2007, contém, entre outras determinações à Inventariança da RFFSA, esta que segue:

 9.6. determinar à Inventariança da extinta RFFSA que:

 9.6.4. informe o TCU, no prazo de 30 (trinta) dias, a respeito da localização, da designação de advogado da União encarregado, situação atual e perspectivas para o desfecho do Processo 2005.51.01.019919-2, na 29ª Vara Federal do Rio de Janeiro, remetido à 32ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que envolve possível crédito em favor da União na ordem de US$ 51,5 milhões (cinquenta e um milhões de dólares norte-americanos).

 Os trechos seguem abandonados, a liminar segue sem cumprimento e a multa diária já alcança valores que ultrapassam – e muito – aquele referido pelo Tribunal de Contas da União (US$ 51,5 milhões).

 6.2. Trecho Santiago-São Borja (RS)

Especificamente em relação ao trecho ferroviário na fronteira oeste doRio Grande do Sul, que interliga os Municípios de Santiago e São Borja, aconcessionária simplesmente abandonou a linha férrea há mais de 10 (dez) anos.

O Estado entregou à ALL 160 km de estrutura e superestrutura em boascondições de tráfego ferroviário. A concessionária, consoante dispõe a cláusula nona,XIV, do contrato de concessão, voluntariamente obrigou-se a zelar pelos bens públicos,verbis:

 “DAS OBRIGAÇÕES DA CONCESSIONÁRIA:

 XIV) Zelar pela integridade dos bens vinculados à CONCESSÃO, conforme normas técnicas específicas, mantendo-os em perfeitas condições e de funcionamento e conservação, até a sua transferência à CONCEDENTE ou à nova CONCESSIONÁRIA.”

A análise dos contratos indica que a ALL recebeu o trecho ferroviário em condições de trafegabilidade no ano de 1997; após, a concessionária utilizou o trecho durante aproximadamente dois anos (até 1999), encerrando os transportes regulares de carga no trecho Santiago-São Borja.

Desde então (1999), a estrada de ferro vem sendo paulatinamente sucateada; o abandono é evidente.

Em setembro de 2000, a Rede Ferroviária Federal S.A. (então em liquidação) efetuou vistoria no trecho em análise, concluindo pela “falta de manutenção e conservação” no local. Identificou, ainda, “invasão na faixa de domínio no recinto do Pátio de São Borja”.

 Em junho de 2002, a RFFSA efetuou nova vistoria e concluiu: “O pátio de São Borja está totalmente invadido e não foi possível percorrer seu recinto devido a falta de segurança no local. Grande parte da superestrutura da via permanente foi retirada”.

 Por fim, em inspeção realizada em janeiro de 2005, com a participação de engenheiros da RFFSA e da própria concessionária ALL, a situação encontrada assume gravidade tal que está a exigir parcial transcrição:

 “Com a falta de circulação de trens e a consequente situação precária de conservação da linha permanente, os trechos de Santiago a São Borja (…) tiveram que ser inspecionados a pé, acessando vários pontos por rodovia e percorridas pequenas extensões nesses locais”.

 Mais adiante, a descrição da inspeção impressiona ainda mais:

 “Atualmente o trecho encontra-se sem circulação de trens, portanto não estão ocorrendo intervenções para manutenção da via permanente. Estima-se que a via permanente encontra-se com 60% de dormentes inservíveis e inexistentes.

 O trecho não foi percorrido em auto de linha, devido ao estado precário da via permanente, optando-se por acessar os vários pontos por rodovia, visando avaliar seu estado de conservação”.

 Os engenheiros averiguaram, ademais, que houve a retirada das placas de apoio, que foram encontradas cercas cruzando a linha (via permanente) em vários pontos, que a superestrutura da via permanente em vários pontos foi retirada e que o pátio da Estação de São Borja encontra-se totalmente invadido.

 Ainda vale transcrever as conclusões da inspeção:

 “Das irregularidades verificadas na inspeção, consideramos como graves: A retirada de parte da superestrutura da via permanente do trecho de Santiago a São Borja, identificada entre o km 188 (próximo a Estação de Santiago) e a Estação de São Borja. O trecho encontra-se concedido, portanto, a Arrendatária deverá repor a via permanente imediatamente. Além disso, a condição atual de abandono propicia um ambientefavorável a invasões e se nada for realizado poderão ocorrer ocupações cuja proporção pode inviabilizar a retomada do transporte ferroviário no local. Cabe esclarecer que a ALL recebeu uma multa em consequência das invasões ocorridas no Pátio de São Borja, através da Notificação Extrajudicial nº 002/CLIQ/2003, de 20/03/03, e pelo fato da Arrendatária não ter pago a citada infração e nem ter corrigido a irregularidade, a RFFSA entrou com uma Ação Ordinária contra a ALL, envolvendo além dessa outras irregularidades, na 18ª Vara Federal, sob o número 2003.5101023238-1”.

 Mais: “A retirada de trilhos em bom estado de conservação, existentes nas linhas principais de trechos sem circulação de trens, com a substituição por outros trilhos em estado de sucata. Pode ser considerado como uma forma de canibalização da via, que vem servindo como um almoxarifado para outras linhas de interesse da Arrendatária”.

 A Concessionária/Arrendatária descumpriu flagrantemente os pactos firmados com o Poder Público, notadamente a cláusula primeira do Contrato de Arrendamento de Bens Vinculados à Prestação do Serviço Público de Transporte Ferroviário, que cuida do objeto:

“Parágrafo primeiro – Os anexos I e II integram este contrato para todos os fins de direito, representando o seu conteúdo a declaração expressa da existência e da conferência dos bens neles relacionados, do seu estado de conservação, recebimento e assunção da responsabilidade pela sua guarda, segurança, conservação e manutenção pela ARRENDATÁRIA”.

 A cláusula quarta cuida, por sua vez, das obrigações da arrendatária, abaixo parcialmente transcrita (no que importa):

 “III) manter as condições de segurança operacional e responsabilizar-se pela conservação e manutenção dos bens objeto deste contrato, de acordo com as normas técnicas específicas e os manuais e instruções fornecidos pelos fabricantes;

 IV) responder por todo e qualquer dano ou prejuízo causado à própria RFFSA ou a terceiros, decorrente do uso dos bens objeto do presente contrato;

 X) promover as medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento à RFFSA.”

Pois bem, se a concessionária dilapida – ela própria – ou abandona bens públicos arrendados, descumprindo durante mais de uma década cláusulas de contrato administrativo, por certo a Agência Reguladora tomou providências e exigiu soluções?

Não. Nada fez até agora. Não aplicou multas, não denunciou o contrato, não exigiu investimentos quaisquer para a restauração ou reposição da estrutura e superestrutura, bem como dos bens móveis e imóveis afetos ao transporte ferroviário.

Prossegue no próximo domingo