Valor Econômico – O maior desafio da mobilidade urbana no Brasil não é a falta de recursos financeiros, mas a escassez de projetos qualificados. O governo federal dispõe de mais de R$ 47 bilhões para apoiar a mobilidade urbana no período de quatro anos. Mas os recursos precisam ser acompanhados de planejamento e, com esse objetivo, o Ministério das Cidades fez uma parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para mapear o potencial de ampliação das redes de transporte público em 21 regiões metropolitanas do país. O trabalho aponta que essas regiões têm capacidade de estender a malha de transporte coletivo em cerca de 2,5 mil quilômetros até 2054.
Na visão de autoridades e especialistas que participaram do evento “Caminhos do Brasil”, realizado pelo Valor, jornal “O Globo” e rádio CBN na Editora Globo, no Rio, nesta quinta-feira (31), os avanços na área de mobilidade dependem de uma combinação de fatores. A lista considera ter bons projetos, o que depende de capacidade técnica, e garantia de apoio financeiro. Isso tudo tendo como pano de fundo políticas urbanas de longo prazo, capazes de assegurar a continuidade dos investimentos para além dos ciclos eleitorais. E que incluam soluções ambientalmente sustentáveis, caso de frotas de ônibus elétricos.
O ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, presente ao evento, defendeu que o Estado brasileiro tem de ser o indutor do desenvolvimento. “Não podemos ser covardes e transferir responsabilidades do governo federal para Estados e municípios”, disse.
“Se tivermos bons projetos, teremos boas soluções”
— Jader Barbalho Filho
Dados do Ministério das Cidades mostram que o governo federal tem reservados R$ 47,4 bilhões, desde 2023, para investimentos em quatro anos em mobilidade. O montante inclui a conclusão e o início de obras (R$ 16,1 bilhões), a ampliação de sistemas de metrôs, VLTs e BRTs (R$ 9,9 bilhões em 2024) e a renovação da frota de transporte público (R$ 10,6 bilhões). Há ainda R$ 10,8 bilhões em linhas de crédito para o setor privado comprar novos ônibus.
Uma parte desse crédito (R$ 2,4 bilhões) foi disponibilizada desde 2023 e outra (R$ 8,4 bilhões), em 2025, via empréstimo com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para Estados e municípios investirem em transporte público. Os recursos do FGTS podem financiar, em forma de empréstimo, ações nas áreas de infraestrutura, saneamento básico, mobilidade urbana e habitação.
“É um investimento robusto”, disse Barbalho Filho. Para o ministro, o maior problema da mobilidade urbana no Brasil não é a ausência de recursos, mas a falta de bons projetos. “Você tem que ter dinheiro, ajudar tecnicamente e ‘pegar na mão’ das prefeituras e governos do Estado para que os projetos se materializem. Se nós tivermos bons projetos, teremos boas soluções.”
Ao defender a constância de investimentos na área, Barbalho Filho criticou a falta de recursos públicos para projetos de infraestrutura no governo de Jair Bolsonaro (PL). “As ideias de governos vão mudar, mas precisamos de continuidade. Passamos quatro anos sem que nenhuma prefeitura ou governo tivesse como captar recursos em nenhum canto para infraestrutura. Não podemos ter esses soluços, esses ‘vales de investimento’ em que a gente investe quatro anos e passa quatro anos sem investir nada”, disse.
O superintendente da área de infraestrutura do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES), Felipe Borim, também presente ao evento, concordou que faltam projetos qualificados: “Busca-se onde alocar recursos, e de fato, não se encontra projetos. Mobilidade urbana é um setor que ficou para trás”.
Para Borim, o BNDES é um “ator estratégico fundamental” para enfrentar o desafio de mobilidade. “Temos habilidade técnica para estruturar projetos, mas temos principalmente os instrumentos para mobilizar as fontes de recursos.”
Ainda de acordo ele, as aprovações do banco para o setor de mobilidade mais que dobraram, passando de R$ 2,9 bilhões em 2022 para R$ 8 bilhões ao ano em 2023 e 2024. “Isso mostra a situação crítica em que o setor se encontrava”.
A diretora-executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Clarisse Cunha Linke, reforçou a importância de projetos que contemplem a necessidade de adaptação das cidades às mudanças do clima. Para ela, os projetos precisam considerar não apenas “cimento para o ônibus passar”, mas também infraestruturas verdes. “É inequívoco que todos nós queremos cidades sustentáveis. Agora, como a gente desenha esses projetos é algo fundamental e pode nos ajudar a reposicionar esses projetos para financiamento”, declarou.
Linke observou ainda que a mudança climática é uma realidade confirmada e que as cidades são o epicentro dos efeitos: “Os investimentos nas cidades vão definir a capacidade de vida”. Ela ainda defendeu que os estudos para projetos de mobilidade incluam dados como raça e renda. “Não podemos cometer o erro de priorizar investimentos para áreas mais ricas das cidades”, disse. “Caminhos do Brasil” é uma iniciativa do Valor, jornal “O Globo” e rádio CBN, com patrocínio da Multiplan e do Sistema Comércio, através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações.
