Agência Brasil – A rotina diária de milhares de passageiros está em jogo diante da decisão da empresa Gumi de entregar a concessão da Supervia, sistema de trens urbanos da região metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar da desistência anunciada recentemente, sob alegação de dificuldades financeiras vivenciadas desde o início da pandemia de covid-19, ainda não se sabe até quando a atual concessionária estará à frente do serviço.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil acham que a falta de transparência em torno da gestão do serviço público dificulta uma análise mais precisa. No entanto, consideram que a má qualidade do serviço tem peso na crise, que não pode ser relacionada integralmente à pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo, acreditam que a situação pode ser uma oportunidade para rever problemas antigos e dar um passo em direção a um serviço mais satisfatório.
Apesar dos balanços financeiros divulgados pela Supervia em seu site, as informações disponibilizadas não são suficientes para compreender o quanto o serviço de má qualidade repercute nas receitas e despesas. Seria difícil saber hoje, por exemplo, quantos passageiros que poderiam usar o trem preferem outros meios de transporte ou se há gastos associados a uma manutenção precária.
Para Leandro da Rocha Vaz, professor do Departamento de Construção Civil e Transportes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os recorrentes relatos de superlotação de composições tornam questionável o discurso de redução de passageiros, uma vez que nem a demanda atual nos horários de pico seria atendida de forma satisfatória. “O que a gente percebe é que está faltando mais viagens”, diz. Segundo ele, um dos principais desafios desse tipo de serviço é manter o funcionamento de forma regular. “As paralisações constantes afetam o fluxo de passageiros e geram impactos financeiros”, acrescenta.
Modelo de concessão
A Supervia atende 12 dos 22 municípios da região metropolitana do Rio. São 104 estações e 270 quilômetros de trilhos, divididos em cinco ramais e três extensões, pelos quais se deslocam principalmente moradores da zona norte da capital e de cidades da Baixada Fluminense. Leandro disse esperar que um novo contrato de concessão dê ao Poder Público instrumentos eficazes para fiscalizar e exigir o cumprimento das metas e obrigações estipuladas. Balassiano defende que um novo modelo de concessão precisa ser desenvolvido repensando a ação do estado.
“O poder concedente, que no caso dos transportes urbanos é o estado ou o município, é quem deve dizer o que que quer e como quer. E temos visto concessões que só privilegiam o operador. E quando o operador não faz o que deveria ser feito, o poder concedente não tem como resolver o problema”.
De acordo com o professor, o gerenciamento do sistema de trens urbanos, mesmo sendo uma concessão estadual, deveria contar com uma estrutura administrativa com a participação de representantes dos municípios. Na sua opinião, o enfrentamento dos desafios depende do engajamento e da distribuição de responsabilidades entre todos os interessados.
“A coisa mais importante na mobilidade é o gerenciamento da mobilidade. Não se pode tratar cada modal isoladamente. Até por isso precisa ter o envolvimento de todos. Esse trem tem que estar integrado com o ônibus de cada cidade, com o metrô, com o BRT”. Segundo ele, não falta capacidade técnica para melhorar o serviço. “Nós temos técnicos, tanto na Secretaria de Estado de Transportes quanto na prefeitura do Rio, que são altamente qualificados. Há muitas pessoas que trabalham lá que passaram pela UFRJ. Fizeram mestrado e doutorado”, acrescenta.
Ele lembra que há questões de segurança que também exigem mobilização coletiva. Os constantes roubos de cabo têm sido citados de forma recorrente pela Supervia como fator que afeta o funcionamento do serviço e causa prejuízo. Apesar de reconhecer responsabilidades do Poder Público, Balassiano considera que a empresa precisa estar melhor preparada para defender seu patrimônio.
Histórico
A operação dos trens urbanos da região metropolitana do Rio foi concedida à iniciativa privada em 1998. Na época, o Consórcio Bolsa 2000, que assumiu o controle do sistema por 25 anos ao vencer o leilão com proposta de R$ 279,7 milhões, criou a Supervia Trens Urbanos S.A.
Em 2010, o Grupo Odebrecht assumiu 61% do controle acionário da empresa e negociou com o governo estadual a renovação da concessão. Foi assinado um aditivo estendendo o contrato até 2043, com o compromisso de investimentos de R$ 1,2 bilhão em melhorias para atender à demanda de passageiros esperada com a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Enquanto enfrentava denúncias de corrupção, o Grupo Odebrecht se desfez em 2018 de maior parte das suas ações. Foi quando a Supervia foi assumida pela empresa Gumi, subsidiária do grupo japonês Mitsui, que passou a responder por 88,67% do controle acionário.
A Supervia alega que transportava, em média, 600 mil passageiros e que suas operações foram drasticamente afetadas pela pandemia. Mesmo com o fim da crise sanitária, teria havido apenas uma recuperação parcial, o que não seria suficiente para custear a manutenção das operações. Em 2021, ainda durante a pandemia, foi aceito pela Justiça um pedido de recuperação judicial apresentado pela Supervia. Suas dívidas estavam estimadas em R$ 1,2 bilhão. Por meio da recuperação judicial, empresas que se encontram em dificuldades financeiras conseguem paralisar eventuais penhoras e bloqueios em suas contas e ganham prazo para negociação com os credores.
Em agosto do ano passado, a concessionária alegava estar transportando cerca de 350 mil passageiros por dia e obteve do governo estadual uma compensação financeira. Por meio de aditivo contratual, foi acertado ressarcimento emergencial no valor de R$ 251,2 milhões.
