Comentários de Fernando Abelha

Este blog, voltado à defesa das ferrovias e dos ferroviários, tem inserido, continuadamente, matérias referentes ao descalabro que se encontram as nossas ferrovias, após as concessões à iniciativa privada. Relatório da Procuradoria Geral da República, 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, enviado ao Tribunal de Contas da União – TCU, em junho de 2011, obtido através da internet, relata, sobremaneira, as condições técnicas, operacionais, comerciais, preservacionistas e econômicas da América Latina Logística S/A – ALL, hoje denominada Rumo Logística. A partir deste domingo e nos demais, iremos publicá – lo parceladamente.

Segue a sexta parte:

Selo

Procuradoria Geral da República
3ª Câmara de Coordenação e Revisão
Consumidor e Ordem Econômica
Em defesa do Estado de Direito econômico

 

… Os investimentos e a atenção do período posterior às concessões da malha brasileira voltaram-se para os grandes corredores ferroviários. Máquinas, vagões e investimentos vários direcionaram-se unicamente para atender as regiões agrícolas e industriais que necessitavam de transporte ágil e econômico até os portos brasileiros (e que, coincidentemente, interessavam diretamente aos acionistas das concessionárias).

Em contrapartida, estações, ramais, prédios públicos de manutenção, transbordo e congêneres foram abandonados. Trechos ferroviários sucatearam-se; prédios históricos foram depredados e invadidos.

 Há acusações de que as próprias concessionárias retiravam trilhos, dormentes e demais peças integrantes da estrutura e superestrutura das vias ferroviárias de trechos abandonados para realocá-los em outras estradas de ferro.

O abandono, em vários casos, deu ensejo a invasões nas faixas de domínio e transformação de estradas de ferro em ruas de chão batido ao longo de periferias de várias cidades de pequeno, médio e grande porte.

O descumprimento do contrato de concessão, além de constituir grave ilícito contratual e causar prejuízo incalculável a regiões brasileiras, que se viram destituídas do modal ferroviário, desencadeou outros problemas de extrema gravidade: as invasões nos imóveis da União/DNIT. Os esbulhos abarcam prédios públicos, muitos deles de valor histórico incontestável, que chegaram a ser depredados; também faixas de domínio ao longo das ferrovias são ocupadas irregularmente.

A inércia do Poder Público (ANTT, IPHAN) é um golpe na memória/história ferroviárias (e, consequentemente, da história de muitas cidades que se constituíram por conta do avanço ferroviário ao interior). Algumas medidas judiciais tomadas ao longo dos anos bem sintetizam esse quadro.

Os exemplos abaixo são ilustrações meramente pontuais do descalabro que se reproduz em várias regiões do Brasil. Trechos e bens concedidos e arrendados à concessionária América Latina Logística S.A. se encontram em lastimável estado de conservação; em certos casos já não mais existem.

 6.1. A Ação Cominatória

Em 2004 a Rede Ferroviária Federal S.A. (então em processo de liquidação) ajuizou ação cominatória (proc. nº 2003.51.01.023238-1, 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ) em desfavor da América Latina Logística S.A. em virtude do descumprimento das cláusulas do Contrato de Arrendamento. O motivo da ação foi o completo abandono dos bens e trechos ferroviários concedidos/arrendados (Estação de Mafra, Ramal da Pisa, Pátio de São Borja, Estação em Cachoeira do Sul, Estação de Bexiga).

 Em decisão liminar, a Juíza Federal Regina Coeli Medeiros de Carvalho apontou:

“As denúncias de danos, abandono, invasões, depredações etc, constam das notificações 002/CLIQ/03, 007/CLIQ/03 E 009/DLIQ/03, todas com farto registro fotográfico das inspeções empreendidas e onde se constatam as condições dos bens como foram cedidos e o estado em que se encontram atualmente. As fotografias adunadas aos autos falam por si e demonstram não só o inadimplemento dos contratos firmados, mas, também, o total descaso pela coisa pública e pela sociedade brasileira (…)”.

Não fosse somente os bens arrendados e a interrupção da circulação de trens nos trechos assinalados, mas o próprio Tribunal de Contas da União, através da Secretaria de Controle Externo apresenta relatório de auditoria, onde detecta a infestação da vegetação, queda de aterro, erosão, bueiros arrombados, com abandono do trecho entre Raul Mesquita e Marques dos Reis no Estado do Paraná, a título de exemplo”.

 Assim, em 26 de maio de 2006, a Justiça Federal no Rio de Janeiro concedeu a liminar para determinar à “Ré – ALL – AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA DO BRASIL S/A que restaure a via férrea e os bens a ela vinculados nos trechos de Cianorte a Maringá, Marques dos Reis à Fábrica Pisa, Morretes a Antonina, Mafra a Passo Fundo, São Luiz Gonzaga/Cerro Largo/Santa Rosa, São Borja a Santiago, Cachoeira do Sul a Porto Cachoeira do Sul, Pelotas a Porto Pelotas e Jaboticaba a Carlos Barbosa, além das Estações de Mafra; Ramal da Pisa, Pátio de São Borja; Estação em Cachoeira do Sul e Estação de Bexiga, no prazo de seis meses, contados da intimação da presente decisão, a partir do qual passará a incidir a multa diária R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por dia de atraso”.

A liminar jamais foi cumprida, e os trechos seguem abandonados, sucateados, ou invadidos.

A Rede Ferroviária foi extinta, sendo sucedida na ação mencionada pela União Federal.

A ANTT, responsável legalmente pela fiscalização do cumprimento dos contratos e aplicação de penalidades decorrentes de inadimplementos, não interveio na ação e mantém-se, até hoje, curiosamente inerte…

Prossegue no próximo domingo